segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

cap 10 de "O filho de Netuno"

espero que gostem ;)

X Frank


FRANK NÃO LEMBRAVA MUITO SOBRE o funeral em si.
Mas ele se lembrava das horas que o antecederam – sua avó saindo para o quintal, para encontrá-lo atirando flechas em sua coleção de porcelana.
A casa de sua avó era uma mansão de pedras cinzentas desconexas de 12 acres no North Vancouver. Seu quintal corria em linha reta até o Lynn Canyon Park.
A manhã estava fria e chuvosa, porém Frank não sentia o frio. Ele usava um terno de lã preto e um sobretudo que haviam pertencido a seu avô. Frank se sentiu assustado e chateado ao descobrir que se encaixavam muito bem nele. As roupas cheiravam a lã molhada e jasmim. O tecido causava um comichão, mas era quente. Com seu arco e flecha ele devia parecer um mordomo muito perigoso.
Ele havia carregado algumas das porcelanas de sua avó em um vagão e levou-as para o quintal, onde as estabeleceu como alvos em placas na cerca velha à beira da propriedade. Ele estava puxando seu arco à tanto tempo que perdeu os sentidos dos dedos, com cada seta ele imaginava que estava derrubando seus problemas.
Atiradores no Afeganistão. Estrondo. Um Bule explodiu com uma flecha no meio.
A medalha de sacrifício, um disco de prata em uma fita vermelha e preta, dado pela morte no exercício de suas funções, apresentada à Frank como se fosse algo importante, algo que fazia tudo ficar bem. Pancada. Uma xícara girou para dentro da floresta.
— Sua mãe foi uma heroína — disse-lhe o oficial. — A capitã Emily Zhang morreu para salvar seus companheiros.
Crack. O prato azul e branco dividido em pedaços.
Sua avó as vezes lhe dava um sermão: Homens não choram, especialmente os homens Zhang. Você vai resistir, Fai. Ninguém o chamava de Fai, exceto sua avó.
Que tipo de nome é Frank? Ela ralhava. Isso não é um nome chinês. Eu não sou chinês, Frank pensava, mas não ousava dizer isso. Sua mãe lhe tinha dito anos atrás: Não se pode discutir com a avó. Isso só vai
fazer você sofrer mais. Ela tinha razão. E agora Frank não tinha ninguém, exceto sua avó.
Baque. Uma quarta seta acertou a trave da cerca e ficou presa lá, tremendo.
— Fai, — disse sua avó. Frank se virou.
Ela estava segurando uma caixa de sapatos de mogno que Frank nunca tinha visto antes. Com o seu vestido de gola alta preta e um sério coque de cabelos grisalhos, ela parecia uma professora da escola dos anos
1800.
Ela analisou o massacre: a porcelana na carroça, os cacos de seu jogo de chá favorito espalhados pelo gramado, as setas de Frank saindo do chão, das árvores, dos postes, e uma na cabeça de um sorridente gnomo de jardim.
Frank pensou que ela iria gritar ou bater nele com a caixa. Ele nunca fez nada tão ruim antes. Ele nunca se sentira com tanta raiva. O rosto de sua avó estava cheio de amargura e desaprovação. Ela não se parecia em nada com a mãe de Frank. Ele se perguntou como sua mãe havia se tornado tão legal – sempre rindo, sempre gentil. Frank não conseguia imaginar sua mãe crescendo com a avó mais do que ele conseguia
imaginá-la no campo de batalha – embora as duas situações, possivelmente não eram assim tão diferentes.
Ele esperou sua avó explodir. Talvez ele fosse triturado e não tivesse que ir ao funeral. Ele queria machucá-la por ser tão má o tempo todo, por deixar sua mãe ir para a guerra, por repreendê-lo para superar isso. Tudo
com o que ela se preocupava era com sua coleção estúpida.
— Pare com esse comportamento ridículo — disse a avó. Ela não parecia muito irritada. — Você não está nesse nível.
E para a surpresa de Frank ela chutou para o lado uma de suas xícaras de chá favoritas.
— O carro estará aqui em breve, — disse ela. — Precisamos conversar.
Frank ficou pasmo. Ele olhou mais de perto a caixa de mogno. Por um momento horrível, ele se perguntou se ela continha as cinzas de sua mãe, mas isso era impossível. Sua avó tinha lhe dito que haveria um enterro
militar. Então porque a avó segurava a caixa tão cautelosamente como se seu conteúdo a entristecesse?
— Venha para dentro, — disse ela. Sem esperar para ver se ele a seguiria, ela virou-se e marchou em direção à casa, Frank a acompanhou.
Na sala, Frank sentou em um sofá de veludo, cercado por reconhecidas fotos da família, vasos de porcelana que eram muito grandes para sua carroça, e bandeiras vermelhas com caligrafia chinesa. Frank não
sabia o que estava escrito. Ele nunca teve muito interesse em aprender. Ele também não sabia quem a maioria das pessoas nas fotografias eram. Sempre que a avó começava a lhe falar sobre seus antepassados,
como eles vieram da China e prosperaram no negócio de importação/exportação, tornando-se, em Vancouver, uma das mais ricas famílias chinesas, bem, isso era chato. Frank era da quarta geração
canadense. E ele não se importava com a China e todas estas antiguidades cheias de mofo. Os únicos caracteres chineses que ele poderia reconhecer eram seu nome de família: Zhang. Mestre dos arcos. Isso era legal.
Sua avó sentou-se ao seu lado, sua postura rígida, com as mãos cruzadas sobre a caixa.
— Sua mãe queria que isso fosse seu — ela disse com relutância. — Ela manteve-o desde que você era um bebê. Quando ela foi embora para a guerra, ela confiou-o a mim. Mas agora ela se foi. E logo você estará indo também.
— Indo? Indo aonde? — O estômago de Frank tremulava.
— Eu estou velha, — disse a avó, como se isso fosse um anúncio surpreendente. — Eu tenho minha própria consulta com a morte em breve. Eu não posso lhe ensinar as habilidades que você vai precisar, e eu não posso manter esse fardo. Se algo acontecer a ele, eu nunca poderia me perdoar. Você iria morrer.
Frank não tinha certeza se tinha ouvido direito. Parecia que ela tinha dito que a sua vida dependia daquela caixa. Ele se perguntou por que ele nunca tinha visto aquilo antes. Ela deve ter mantido-o trancado no sótão, o único lugar que Frank era proibido de explorar.
Ela sempre disse que mantinha seus tesouros mais valiosos lá em cima. Ela entregou a caixa para ele. Ele abriu a tampa com os dedos trêmulos. No interior, com um revestimento almofadado em veludo, havia
um aterrorizante, capaz de alterar vidas, incrivelmente importante... pedaço de madeira.
Parecia madeira flutuante – dura e lisa, esculpida em uma forma ondulada. Era do tamanho de um controle remoto da TV. A ponta estava carbonizada. Frank tocou no final queimado. Ainda estava quente. As cinzas
deixaram uma mancha negra em seu dedo.
— É um pedaço de pau, — disse ele. Ele não conseguia descobrir o porquê sua avó estava agindo de modo tão tenso e sério.
Seus olhos brilhavam. — Fai, você conhece profecias? Você conhece os deuses?
As perguntas o deixaram desconfortável. Ele pensou nas bobas estátuas de ouro dos imortais chineses que sua avó tinha, suas superstições sobre a colocação de móveis em determinados lugares e evitar números de
azar. Profecias o faziam pensar em biscoitos da sorte, que nem sequer eram chineses, não realmente, mas alguns garotos na escola zombavam dele sobre coisas estúpidas como esta: Confúcio dizia... e todo esse lixo. Frank nunca tinha ido para a China. Ele não queria nada com ela. Mas, claro, a avó não queria ouvir isso.
— Um pouco, vó — ele disse — não muito.
— A maioria teria zombado do conto de sua mãe, — ela disse, — Mas eu não. Eu sei de profecias e deuses. Gregos, romanos, se entrelaçam com chineses em nossa família. Eu não tive dúvida que o que ela me contou sobre seu pai era verdade.
— Espere... o quê?
— Seu pai era um deus — ela disse claramente.
Se sua avó tivesse um senso de humor, Frank teria pensado que era uma brincadeira, mas sua avó nunca tinha feito uma brincadeira antes, estaria senil?
— Pare de me olhar assim, — disse a avó. — Minha mente não está confusa. Você nunca se perguntou por que ele nunca voltou?
— Ele era... — Frank vacilou. A perda de sua mãe foi dolorosa o suficiente. Ele não queria pensar sobre seu pai, também. — Ele estava no exército, como a mamãe. Ele desapareceu em ação. No Iraque.
— Bah. Ele era um deus. Ele se apaixonou por sua mãe, porque ela era uma guerreira nata. Ela era como eu, forte, corajosa, boa, bela. Forte e corajosa, concordava. Agora retratar a avó tão boa e bonita era mais difícil.
Ele ainda suspeitava que ela podia estar perdendo sua sanidade, porém perguntou:
— Que tipo de deus?
— Romano, — disse ela. — Além disso, eu não sei. Sua mãe não quis dizer, ou talvez ela não soubesse. Não é nenhuma surpresa um deus se apaixonar por ela, dada a nossa família. Ele deve ter sabido que ela era de sangue antigo.
— Espere... somos chineses. Por que deuses romanos iriam querer namorar uma canadense/chinesa?
As narinas da avó queimaram.
— Se você se preocupasse em aprender a história da família, Fai, você poderia saber isso. China e Roma não são tão diferentes, nem tão separadas como você parece acreditar. Nossa família é da província de
Gansu, uma cidade, uma vez chamado Li-Jien. E antes que... como eu disse sangue antigo. O sangue dos príncipes e heróis.
Frank só encarava-a.
Ela suspirou, exasperada. — Minhas palavras são desperdiçadas neste bezerro! Você vai aprender a verdade quando for para o acampamento. Talvez o seu pai vá reclamar você. Mas por enquanto, devo explicar sobre a lenha.
Ela apontou para a grande lareira de pedra.
— Pouco depois que você nasceu, uma visitante apareceu em nosso lar. Sua mãe e eu estávamos sentadas aqui no sofá, exatamente onde nós estamos sentados. Você era uma coisa minúscula, enrolado em um cobertor azul, e ela aninhava-o em seus braços.
Soou como uma doce memória, mas a avó disse num tom amargo, como se ela soubesse, até então, que Frank iria se transformar em uma grande madeireira imbecil.
— A mulher apareceu no fogo, — continuou ela. — Ela era uma mulher branca usando um vestido de seda azul, com uma capa estranha como a pele de uma cabra.


— Uma cabra, — disse Frank entorpecido.
A avó fez uma careta.
— Sim, limpe os ouvidos, Fai Zhang! Estou velha demais para contar todas as histórias duas vezes! A mulher com a pele de cabra era uma deusa. Eu posso sempre dizer estas coisas. Ela sorriu para o bebê que você era e disse para sua mãe, em mandarim perfeito, nada menos: ‘Ele irá fechar o círculo. Ele irá fazer a sua família retornar para suas raízes e trazer-lhe grande honra.’
A avó bufou. — Eu não discuto com deusas, mas talvez esta não veja o futuro com muita clareza. Seja qual for o caso, ela disse, ‘Ele vai ir para o acampamento e restaurar sua reputação lá. Ele irá libertar Tânatos
de suas correntes de gelo.’
— Espere, quem?
— Tânatos, — disse a avó, impaciente. — O nome grego para a Morte. Agora posso continuar sem interrupções? Pois bem a deusa disse: ‘O sangue de Pylos é forte nessa criança pelo lado de sua mãe. Ele terá o dom da família Zhang, mas ele também terá os poderes de seu pai.’
De repente, a história da família Zhang não parecia tão chata. Ele queria desesperadamente perguntar o que aquilo significava – poderes, dom, sangue de Pylos. O que era esse acampamento, e quem era seu pai? Mas ele não queria interromper a avó novamente. Ele queria que ela continuasse falando.
— Nenhum poder vem sem um preço, Fai — disse ela. — Antes da deusa desaparecer, ela apontou para o fogo e disse: ‘Ele vai ser o mais forte de seu clã, o maior. Mas as Parcas decretaram que ele será também o mais vulnerável. Sua vida vai queimar brilhante e curta. Quando aquele pedaço de estopa for consumido na borda do fogo o seu filho estará destinado a morrer.’
Frank mal podia respirar. Ele olhou para a caixa em seu colo, e as manchas de cinzas em seu dedo. A história parecia ridícula, mas de repente o pedaço de madeira flutuante parecia mais sinistro, mais frio e mais pesado.
— Isso... isso.
— Sim, meu boi estúpido — disse a avó. — Esse é o graveto. A deusa desapareceu, e eu tirei a madeira do fogo imediatamente. Temos mantido-a desde então.
— Se ele queimar, eu morrerei?
— Não é tão estranho — disse a avó. — Romanos, chineses os destinos dos homens muitas vezes podem ser previstos, e às vezes adiados, pelo menos por um tempo. A lenha está em sua posse agora. Mantenha-a por perto. Enquanto ela estiver segura, você estará seguro.
Frank balançou a cabeça. Ele queria protestar que isso era apenas uma lenda estúpida. Talvez a avó estivesse tentando assustá-lo como uma espécie de vingança por quebrar sua porcelana.
Mas os olhos de sua avó eram desafiadores, era como se ela dissesse:
Se não acredita queime-a.
Frank fechou a caixa
— Se é tão perigoso porque não revesti-lo de uma substância que não queime como plástico ou aço? Porque não colocá-lo em um cofre?
— O que aconteceria, — perguntou a avó. — Se tivéssemos revestido a vara em outra substância? Será que você, também, sufocaria? Eu não sei. Sua mãe não iria assumir o risco. Ela não podia carregar a parte com
ela, por medo de algo dar errado. Bancos podem ser roubados. Edifícios podem queimar. Coisas estranhas conspiram quando se tenta enganar o destino. Sua mãe achava que a vara estaria segura, deste que ficasse com ela, até que ela foi para a guerra, e o deu para mim. — Sua avó exalava mau humor. — Foi besteira de sua mãe ir para guerra, embora eu suponho que sempre soube que era seu destino, ela esperava reencontrar seu pai.
— Ela pensou... pensou que ele estaria no Afeganistão?
A avó estendeu suas mãos, como se isso fosse além de sua compreensão.
— Ela foi. Ela morreu bravamente. Pensei que o dom da família iria protegê-la. Nenhuma dúvida que foi assim que ela salvou aqueles soldados.
Ela nunca quis o dom que nossa família carrega. Não ajudou meu pai nem o pai dela. Não me ajudou. E agora você se tornou um homem. Você deve seguir o caminho.
— Mas... Que caminho? O nosso dom é... arco e flecha?
— Você e seu arco e flecha menino! Tolo. Logo você vai descobrir.
Hoje à noite, depois do funeral, você deve ir para o sul. Sua mãe disse que se ela não voltasse do combate, Lupa iria enviar mensageiros. Eles o acompanharão para um lugar onde os filhos dos deuses podem ser treinados para o seu destino.
Frank se sentiu como se estivesse sendo espetado com inúmeras flechas, seu coração dividido em cacos de porcelana. Ele não entendeu a maior parte do que a avó disse, mas uma coisa era clara: ela estava chutandoo
para fora.
— Você está me mandando embora? — Perguntou. — Sua família restante?
A boca de sua avó tremia. Seus olhos pareciam úmidos. Frank ficou chocado ao perceber que ela estava quase chorando. Ela havia perdido o marido há anos, então sua filha, e agora ela estava prestes a mandar embora seu único neto. Mas ela se levantou do sofá e ficou ereta, sua postura rígida e correta como sempre.
— Quando você chegar ao acampamento — ela instruiu. — Você deverá falar com o pretor em privado. Diga-lhe que o seu bisavô era Shen Lun. Já tem muitos anos desde o incidente de São Francisco. Esperemos que eles não irão matá-lo pelo que ele fez, mas você pode querer pedir perdão por suas ações.
— Isso está ficando cada vez melhor, — Frank resmungou.
— A deusa disse que você faria o círculo da família ficar completo.— A voz da avó não tinha nenhum traço de simpatia. — Ela escolheu o seu caminho anos atrás, e não vai ser fácil. Mas agora é hora do funeral. Temos obrigações. Venha. O carro está esperando.
A cerimônia foi um borrão: faces solenes, o tamborilar da chuva no toldo do enterro, o estalido dos fuzis da guarda de honra, o afundamento do caixão dentro da terra.
Naquela noite, os lobos chegaram. Eles uivaram na varanda da frente. Frank saiu para encontrá-los. Ele levou o seu pacote de viagem, sua roupas mais quentes, seu arco e sua aljava. A medalha de sacrifício da sua
mãe estava enrolado em sua mochila. O graveto carbonizado estava embrulhado cuidadosamente em três camadas de pano no bolso do casaco, junto ao seu coração.
Sua jornada para o sul começou – para a Casa dos Lobos em Sonoma, e, eventualmente, para o Acampamento Júpiter, onde falou com Reyna privadamente como sua avó lhe havia instruído. Ele implorou perdão para o bisavô, embora ele não soubesse nada sobre aquilo. Reyna deixou ele se juntar à legião. Ela nunca lhe disse o que seu bisavô tinha feito, mas ela obviamente sabia. Frank podia dizer que era ruim.
— Eu julgo as pessoas pelos seus próprios méritos. — Reyna tinha dito. — Mas não mencione o nome de Shen Lun para qualquer outra pessoa. Deve permanecer o nosso segredo, ou você vai ser mal tratado.
Infelizmente, Frank não teve muitos méritos. Seu primeiro mês no acampamento foi gasto derrubando linhas de armas, quebrando carros, e derrubando Coortes inteiras enquanto marchavam. Seu trabalho favorito era
cuidar de Hannibal, o elefante, mas ele conseguiu cometer erros nisso também – dando à Hannibal uma indigestão, alimentando-o com amendoim. Quem sabia que os elefantes poderiam ser intolerantes a amendoim? Frank imaginou se Reyna estava lamentando a sua decisão de deixá-lo entrar.
Todo dia, ele acordava perguntando se o graveto de alguma forma pegaria fogo e queimaria, e ele morreria.
Tudo isto correu pela cabeça de Frank enquanto ele caminhava com Hazel e Percy para os jogos de guerra. Ele pensou sobre o graveto acondicionado dentro de seu bolso do casaco, e o que significava o fato de
Juno ter aparecido no acampamento. Ele estava prestes a morrer? Ele achava que não. Ele com certeza não trouxe qualquer honra para sua família ainda.
Talvez Apolo o reclamasse hoje e explicaria seus poderes e dons. Uma vez que eles saíram do acampamento, a Quinta Coorte formouse em duas linhas atrás de seus centuriões, Dakota e Gwen. Eles marcharam para o norte, contornando a orla da cidade, e seguiram para o Campo de Marte – a maior e mais plana parte do vale. A grama era cortada bem curta por todos os unicórnios, touros, e faunos sem-teto que pastavam aqui. A terra estava repleta de crateras de explosão e marcada com trincheiras de jogos anteriores. No extremo norte do campo estava o seu alvo. Os engenheiros construíram uma fortaleza de pedra com uma ponte levadiça de ferro, torres de guarda, balistas escorpião, canhões de água, e sem dúvida muitas outras
surpresas desagradáveis para os defensores usarem.
— Eles fizeram um bom trabalho hoje, — Hazel observou. — Isso é ruim para nós.
— Espere, — disse Percy. — Você está me dizendo que fortaleza foi construída hoje?
— Legionários são treinados para construir. — Hazel disse sorrindo. — Se quiséssemos, poderíamos quebrar todo o campo e reconstruí-lo em algum outro lugar. Tome talvez três ou quatro dias, mas nós poderíamos fazê-lo.
— Então vocês atacam uma fortaleza diferente a cada noite?
— Nem todas as noites, — disse Frank. — Temos exercícios de treinamento diferentes. Às vezes, a bola da morte, que é como paint-ball, exceto que com... você sabe, bolas de veneno, ácido e fogo. Às vezes fazemos competições de bigas e de gladiadores, às vezes jogos de guerra.
Hazel apontou para o forte.
— Em algum lugar lá dentro, a Primeira e Segunda Coorte estão mantendo seus estandartes. Nosso trabalho é entrar e capturá-los sem sermos abatidos. Se fizermos isso, nós ganhamos.
Os olhos de Percy se iluminaram.
— Como captura a bandeira. Eu acho que eu gosto de captura a bandeira.
Frank riu.
— Sim, bem... é mais difícil do que parece. Temos que passar os escorpiões e os canhões de água nas paredes, lutar pelo interior da fortaleza, encontrar os estandartes, e derrotar os guardas, e ao mesmo tempo proteger os nossos próprios estandartes e as tropas de captura. E a nossa Coorte está em concorrência com os outros dois grupos de ataque. Nós trabalhamos juntos, mas não realmente. A Coorte que captura as bandeiras recebe toda a glória.
Percy tropeçou, tentando manter o tempo com o ritmo de marcha esquerda-direita. Frank simpatizou. Ele tinha passado suas primeiras duas semanas caindo.
— Então por que estamos praticando isso, afinal? — Percy perguntou. — Vocês passam muito tempo assaltando cidades fortificadas?
— Trabalho em equipe, — disse Hazel. — Raciocínio rápido. Táticas. Habilidades de batalha. Você ficaria surpreso com o que você pode aprender nos jogos de guerra.
— Como quem vai apunhalá-lo pelas costas — disse Frank.
— É uma das coisas principais — Hazel concordou.
Eles marcharam para o centro do Campo de Marte e formaram fileiras. A Terceira e Quarta Coorte montadas na medida do possível a partir da Quinta. Os centuriões do lado atacante se reuniram para uma conferência.
No céu acima deles, Reyna circulou em seu pégaso, Scipio, pronta para arbitrar.
Meia dúzia de águias gigantes voavam em formação atrás dela preparadas para o serviço de ambulância de transporte aéreo, se necessário.
A única pessoa que não participava do jogo era Nico di Angelo, “Embaixador de Plutão”, que havia subido para a torre de observação a cerca de cem metros do forte e estaria assistindo com binóculos.
Frank apoiou o pilo contra o seu escudo e checou a armadura de Percy. Cada tira estava correta. Cada peça de armadura estava adequadamente ajustada.
— Você fez certo, — disse ele com espanto. — Percy, você deve ter participado de jogos de guerra antes.
— Eu não sei. Talvez.
A única coisa que não estava normal era a brilhante espada de bronze de Percy ao invés de Ouro Imperial, e não era um gladio. A lâmina estava em forma de folha, e a escrita no punho era grega.
Olhando para ela Frank ficou desconfortável. Percy franziu a testa.
— Nós podemos usar armas de verdade, certo?
— Sim, — concordou Frank. — Com certeza. Eu apenas nunca vi uma espada como essa.
— E se eu machucar alguém?
— Nós curamos o alguém, — disse Frank. — Ou tentamos. Os médicos da legião são muito bons com ambrósia e néctar, e unicórnios de tração.
— Ninguém morre, — disse Hazel. — Bem, não, geralmente. E se morrerem...
Frank imitou a voz de Vitellius: — Eles são covardes! Na minha época, nós morríamos o tempo todo,
e gostávamos disso!
Hazel riu.
— Basta ficar com a gente, Percy. As chances são de que teremos os piores deveres e seremos eliminados cedo. Eles nos lançam nas paredes primeiro para suavizarmos as defesas. Em seguida, as Coortes Terceira e
Quarta marcharão para obter as honras, se eles puderem quebrar o forte.
Cornetas soaram. Dakota e Gwen voltaram da conferência dos oficiais, parecendo tristes.


— Tudo bem, aqui está o plano! — Dakota tomou um gole rápido de Kool-Aid de seu frasco de viagem. — Eles irão nos jogar nas paredes primeiro para suavizar as defesas.
Toda a Coorte gemeu.
— Eu sei, eu sei, — disse Gwen. — Mas talvez desta vez nós tenhamos alguma sorte!
Gwen quis ser otimista. Todo mundo gostava dela porque ela tinha o cuidado de tentar manter o ânimo de seu povo. Ela poderia até mesmo controlar Dakota durante seu bug hiperativo de suco de caixinha. Ainda
assim, os campistas resmungaram e se queixaram. Ninguém acreditava em sorte na Quinta Coorte.
— Dakota fica com a primeira linha, — disse Gwen. — Bloqueie com escudos e avancem na formação de tartaruga para os portões principais. Tentem ficar em uma só peça. Chame o seu fogo. Segunda linha... — Gwen voltou-se para Frank, sem muito entusiasmo. — Você dezessete assuma o comando do elefante e as escadas de escalada. Tente um ataque de acompanhamento na parede ocidental. Talvez possamos espalhar os defensores deixando a linha deles muito fina. Frank, Hazel, Percy... bem, basta fazer o de sempre. Mostrem a Percy as cordas. Tentem mantê-lo vivo.
— Voltou-se para toda a Coorte. — Se alguém passar pela primeira parede, eu vou ter certeza de obter a Coroa Mural. Vitória para a Quinta Coorte!
A Coorte aplaudiu empenhadamente e rompeu-se.
Percy franziu a testa.
— Fazer o de sempre?
— Sim, — suspirou Hazel. — Grande voto de confiança.
— O que é a Coroa Mural? — Perguntou.
— Medalha militar, — disse Frank. Ele tinha sido forçado a memorizar todos os prêmios possíveis. — Grande honra para o primeiro soldado a entrar em um forte inimigo. Você vai notar que ninguém na Quinta
Coorte está vestindo uma. Geralmente nós nem sequer entramos no forte porque estamos queimando ou afogando ou...
Ele vacilou, e olhou para Percy.
— Canhões de água.


— O quê? — Percy perguntou.
— Os canhões nas paredes, — Frank disse, — eles tiraram água do aqueduto. Há um sistema de bomba – eu não sei como isso funciona, mas eles estão sob muita pressão. Se você pudesse controlá-los, como você
controlou o rio...
— Frank! — Hazel comemorou. — Isso é brilhante!
Percy não parecia tão certo.
— Eu não sei como fiz isso no rio. Eu não tenho certeza de que posso controlar os canhões desta distância.
— Vamos chegar mais perto. — Frank apontou para a parede oriental da fortaleza, onde a Quinta Coorte não estaria atacando.
— É aí que a defesa irá ser mais fraca. Eles nunca vão levar três crianças a sério. Acho que podemos deslocar-nos muito perto antes de nos verem.
— Deslocar-se como? — Percy perguntou.
Frank virou-se para Hazel. — Você pode fazer aquela coisa de novo?
Ela socou-o no peito.
— Você disse que não iria dizer nada!
Frank imediatamente sentiu-se péssimo. Ele tinha ficado tão excitado com a idéia...
Hazel murmurou baixinho.
— Não se preocupe. Está tudo bem. Percy, ele está falando sobre as trincheiras. O Campo de Marte está repleto de túneis ao longo de tantos anos. Alguns estão desmoronados, ou enterrados, mas muitos deles ainda são transitáveis. Eu sou muito boa em encontrá-los e usá-los. Eu posso até mesmo desmoroná-los, se precisar.
— Como você fez com as górgonas, — Percy disse. — Para atrasálas.
Frank assentiu com aprovação.
— Eu disse que Plutão era legal. Ele é o deus de tudo debaixo da terra. Hazel pode encontrar cavernas, túneis, alçapões...
— E lá se foi o nosso segredo, — ela resmungou.
Frank sentiu-se corar.
— Sim, me desculpe. Mas, se pudermos chegar perto...
— E se eu puder tirar os canhões de água da jogada... — Percy balançou a cabeça, como se ela fosse aquecer com a ideia. — O que faremos então?
Frank checou sua aljava. Ela sempre estocava flechas especiais. Ele nunca chegou a utilizá-las antes, mas talvez esta noite fosse a noite. Talvez ele pudesse, finalmente, fazer algo bom o suficiente para chamar a atenção de Apolo.
— O resto depende de mim, — disse ele. — Vamos.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Comemorando!!! uhuuu!

Oi gente!!
completamos 300 visualizações do blog
é isso msm!!
estou super feliz aki!
então para dobrarmos essa quantidade espalhem o blog para seus amigos fãs de PJ.
ok?
amanha  vou postar o outro cap de "o filho de Netuno" então fiquem de olho.
e se vcs tiverem alguma noticia sobre os livros me avisem, pq parece q Tio Rick vai parar de falar mais novidades :(

                                                                                                 tchal, capcakes!

9° cap de 'O filho de Netuno'

Olá, cupcakes!
esse cap é "narrado" por Frank.
espero q gostem ;)

   XI Frank 




ENQUANTO ELE MARCHAVA PARA OS JOGOS DE GUERRA, Frank relembrava o dia em sua mente. Ele não podia acreditar no quão perto ele chegou da morte.
Naquela manhã, de sentinela, antes de Percy aparecer, Frank quase tinha dito seu segredo à Hazel. Os dois haviam ficado parados por horas na neblina fria, observando o tráfego suburbano na Auto-Estrada 24. Hazel
estava reclamando do frio.
— Eu daria tudo para estar quente — disse ela, seus dentes rangendo. — Eu gostaria que tivéssemos uma fogueira.
Mesmo com sua armadura, ela parecia ótima. Frank gostava da forma como o seu cabelo cor de torrada-marrom claro se enrolava em torno das bordas de seu capacete, e da forma como formavam covinhas no seu queixo quando ela franzia a testa. Ela era pequena em comparação à Frank, o que o fazia se sentir como um boi grande e desajeitado. Ele queria colocar seus braços em volta dela para aquecê-la, mas ele nunca faria isso. Ela provavelmente lhe bateria, e ele perderia a única amiga que ele tinha no acampamento.
Eu poderia fazer uma fogueira realmente impressionante, ele pensou. É claro, iria apenas queimar por alguns minutos, e então eu morreria...
Mesmo considerar isso era assustador. Hazel tinha esse efeito sobre ele. Sempre que ela queria algo, ele tinha o desejo irracional de lhe fornecer.
Ele queria ser o cavaleiro à moda antiga cavalgando para resgatá-la, o que era estúpido, já que ela era muito mais capaz em tudo do que ele. Ele imaginou o que sua avó diria: Frank Zhang cavalgando para o resgate? Há! Ele iria cair de seu cavalo e quebrar o pescoço.
Difícil de acreditar que tinham sido apenas seis semanas desde que ele deixou a casa de sua avó — seis semanas desde o funeral de sua mãe. 
Tudo tinha acontecido desde então: lobos chegando na porta de sua avó, a viagem até o Acampamento Júpiter, as semanas que passara na Quinta Coorte tentando não ser um completo fracasso. Por tudo isso, ele manteve a peça de lenha meio-queimada envolta em um pano no bolso do casaco.
Mantenha-a por perto, a sua avó tinha avisado. Enquanto isso estiver seguro, você está seguro.
O problema era que isso queimava tão facilmente. Ele se lembrou da viagem do sul de Vancouver. Quando a temperatura caiu abaixo de zero perto do Monte Hood, Frank trouxe o pedaço de estopa e segurou-o em suas mãos, imaginando como seria bom ter algum fogo. Imediatamente, o resto de carvão brilhou com uma chama amarela ardente. Isso iluminou a noite e aqueceu Frank até os ossos, mas ele podia sentir a sua vida indo embora, como se ele estivesse sendo consumido ao invés da madeira. Ele empurrou a chama em um banco de neve. Por um momento horrível ela se manteve acesa. Quando finalmente apagou, Frank controlou seu pânico. Ele enrolou o pedaço de madeira e colocou-o de volta no bolso do casaco, determinado a
não tirá-lo novamente. Mas ele não pôde esquecer isso.
Era como se alguém tivesse dito: “Faça o que fizer, não pense nesse graveto explodindo em chamas!”
Então, é claro, nisso era tudo o que ele pensava. 
De sentinela com Hazel, ele iria tentar tirar isso de sua mente. Ele adorava passar o tempo com ela. Ele lhe perguntou sobre seu crescimento em Nova Orleans, mas ela ficou nervosa com suas perguntas, então, ao invés disso, eles ficaram de conversa fiada. Apenas por diversão, eles tentaram falar francês um com o outro. Hazel tinha um pouco de sangue francês pelo lado de sua mãe. Frank tinha tido francês na escola. Nenhum deles era muito fluente, e o francês de Louisiana era tão diferente do francês canadense que era quase impossível conversar. Quando Frank perguntou a Hazel como seu bife estava hoje, e ela respondeu que seu sapato era verde, eles decidiram desistir.
Então Percy Jackson chegou.
Claro, Frank tinha visto monstros lutando com crianças antes. Ele havia lutado com muitos deles em sua viagem de Vancouver. Mas ele nunca tinha visto górgonas. Ele nunca tinha visto uma deusa em pessoa. E a maneira como Percy havia controlado o Pequeno Tibre — Nossa! Frank desejava ter poderes assim.
Ele ainda podia sentir as garras das górgonas pressionando seus braços e o cheiro de sua respiração ofídia — como ratos mortos e veneno. Se não fosse por Percy, aquelas megeras grotescas o teriam levado. Ele seria uma pilha de ossos na parte de trás de um Bargain Mart agora.
Depois do incidente no rio, Reyna mandou Frank para o arsenal, o que lhe tinha dado tempo demais para pensar.
Enquanto ele polia espadas, lembrou-se de Juno, alertando-os para libertar a Morte.
Infelizmente Frank tinha uma boa idéia do que a deusa queria dizer.
Ele tentou esconder seu choque quando Juno apareceu, mas ela parecia exatamente como sua avó a havia descrito — perfeitamente, até a capa de pele de cabra.
Ela escolheu o seu caminho anos atrás, a avó tinha lhe dito. E não vai ser fácil.
Frank olhou para seu arco no canto do arsenal. Ele teria se sentido melhor se Apolo o reclamasse como filho. Frank tinha certeza que seu pai divino falaria até seu décimo sexto aniversário, o que tinha passado há duas semanas.
Dezesseis anos era um marco importante para os romanos. Tinha sido o primeiro aniversário de Frank no acampamento. Mas nada aconteceu. Agora Frank esperava ser reivindicado na Festa da Fortuna, apesar do que Juno tinha dito, eles estariam em uma batalha por suas vidas nesse dia.
Seu pai tinha que ser Apolo. Tiro com arco era a única coisa em que Frank era bom. Anos atrás, sua mãe havia lhe dito que seu nome de família, Zhang, significa “mestre de arcos” em chinês. Isso deve ter sido uma dica sobre seu pai.
Frank derrubou seus panos de polimento. Ele olhou para o teto.
— Por favor, Apolo, se você é meu pai, me diga. Eu quero ser um arqueiro como você.
— Não, você não é, — uma voz resmungou.
Frank pulou da sua cadeira. Vitellius, o Lar da Quinta Coorte, estava brilhando atrás dele. Seu nome completo era Gaius Vitellius Reticulus, mas as outras Coortes o chamavam de Vitellius, o ridículo.
— Hazel Levesque me enviou para verificar você, — disse Vitellius, caminhando até o cinto da sua espada. — Boa coisa, também. Examinar o estado desta armadura!
Vitellius não era alguém para conversar. Sua toga era larga, sua túnica mal cabia sobre sua barriga, e sua espada caia do seu cinto a cada três segundos, mas Frank não se incomodou em apontar isso.
— Quanto aos arqueiros — o fantasma disse, — eles são fracos! Na minha época, tiro com arco era um trabalho de bárbaros. Um bom romano deve estar na briga, eviscerar seu inimigo com lança e espada como um homem civilizado! É assim que nós fizemos nas Guerras Púnicas. Se aproxime dos romanos, garoto!
Frank suspirou. — Eu pensei que você esteve no exército de César.
— Eu estive!
— Vitellius, César foi centenas de anos após as Guerras Púnicas. Você não pode ter estado vivo por tanto tempo.
— Questionando a minha honra? — Vitellius parecia tão furioso, sua aura roxa brilhava. Ele sacou seu Gládio fantasmagórico e gritou: — Tome isso!
Ele passou a espada, o que foi quase tão mortal quanto um laser, através do peito de Frank algumas vezes.
— Ai! — disse Frank, apenas para ser agradável.
Vitellius pareceu satisfeito e afastou sua espada.
— Talvez você pense duas vezes antes de duvidar dos mais velhos da próxima vez! Agora... foi o seu décimo sexto aniversário recentemente, não foi?
Frank assentiu. Ele não tinha certeza de como Vitellius sabia disso, já que Frank não tinha contado a ninguém, exceto a Hazel, mas fantasmas tinham formas de descobrir segredos. Escutar enquanto invisível
provavelmente era um delas.
— Então é por isso que você está como um gladiador rabugento — o Lar disse. — Compreensível. O décimo sexto aniversário é seu dia de masculinidade! Seu pai divino deveria ter reivindicado você, nenhuma
dúvida sobre isso, mesmo com apenas um pequeno prenúncio. Talvez ele pensou que você fosse mais jovem. Você parece mais jovem, você sabe, com essa cara de bebê rechonchudo.
— Obrigado por me lembrar — Frank murmurou.
— Sim, eu lembro do meu décimo sexto — Vitellius disse alegremente. —Presságio Maravilhoso! Uma galinha na minha cueca.


— Hein?
Vitellius se encheu de orgulho. — É isso mesmo! Eu estava no rio mudando de roupa para o meu Liberalia. Rito de passagem para a idade adulta, você sabe. Nós fazíamos as coisas corretamente na época. Eu tinha
levado a minha toga de infância e fui lavar-me para vestir a de adulto. De repente, uma galinha branca correu para fora do nada, furtou a minha tanga e fugiu com ela. Eu não estava usando-a na hora.
— Isso é bom — disse Frank. — E eu posso apenas dizer: Muita informação?
— Mmm. — Vitellius não estava escutando. — Esse foi o sinal que eu descendia de Esculápio, o deus da medicina. Eu tomei meu cognome, meu terceiro nome, Reticulus, porque significava roupa íntima, para me lembrar do dia abençoado que uma galinha roubou minha tanga.
— Então... o seu nome significa Sr. Roupa Íntima?
— Louvados sejam os deuses! Tornei-me um cirurgião na legião, e o resto é história. — Ele abriu os braços generosamente. — Não desista, rapaz. Talvez seu pai esteja atrasado. A maioria dos augúrios não são tão
dramáticos quanto uma galinha, é claro. Eu conheci um colega que, uma vez teve um estrume de besouro...
— Obrigada, Vitellius — disse Frank. — Mas eu tenho que terminar de polir esta armadura...
— E o sangue da Górgona?
Frank congelou. Ele não tinha contado a ninguém sobre isso. Tanto quanto ele sabia, só Percy tinha visto ele colocar no bolso os frascos no rio, e eles não tinham tido a oportunidade de falar sobre isso.
— Venha agora, — Vitellius repreendeu. — Eu sou um curandeiro. Eu conheço as lendas sobre o sangue de górgona. Mostre-me os frascos.
Relutantemente, Frank tirou os dois frascos de cerâmica que ele tinha recuperado do Pequeno Tibre. Despojos de guerra eram muitas vezes deixados para trás quando um monstro se dissolvia — às vezes um dente, ou uma arma, ou mesmo a cabeça inteira do monstro. Frank soube o que os dois frascos eram imediatamente. Por tradição eles pertenciam a Percy, que havia matado as górgonas, mas Frank não podia deixar de pensar, se eu pudesse usá-los?
— Sim. — Vitellius estudou os frascos com aprovação. — Sangue retirado do lado direito do corpo de uma górgona pode curar qualquer doença, até mesmo trazer os mortos de volta à vida. A deusa Minerva deu
uma vez um frasco disso para meu ancestral divino, Esculápio. Mas o sangue retirado do lado esquerdo de uma górgona... instantaneamente fatal. Então, qual é qual?
Frank olhou para os frascos. — Eu não sei. Eles são idênticos.
— Há! Mas você está esperando que o frasco certo poderia resolver seu problema com o pau queimado, hein? Talvez quebrar sua maldição?
Frank estava tão atordoado, não conseguia falar.
— Oh, não se preocupe, rapaz. — O fantasma riu. — Eu não vou contar a ninguém. Eu sou um Lar, um protetor da Coorte! Eu não faria qualquer coisa para te pôr em perigo.
— Você me apunhalou no peito com sua espada.
— Confie em mim, rapaz! Eu tenho simpatia por você, carregando a maldição do Argonauta.
— O... o quê?
Vitellius afastou a questão. — Não seja modesto. Você tem raízes antigas. Gregas, assim como romanas. Não é de admirar que Juno... — Ele inclinou a cabeça, como se estivesse ouvindo uma voz de cima. Seu rosto ficou frouxo. Sua aura toda tremulou verde. — Mas eu já disse o suficiente!
De qualquer forma, eu vou deixar você descobrir para quem é o sangue da górgona. Suponho que o novato Percy poderia usá-lo também, com o seu problema de memória.
Frank se perguntou o que Vitellius estava prestes a dizer e o que lhe tinha deixado tão assustado, mas ele teve a sensação que dessa vez Vitellius ia ficar de boca fechada.
Ele olhou para os dois frascos. Ele não tinha sequer pensado que Percy precisava deles. Ele se sentiu culpado por ter tido a intenção de usar o sangue em si mesmo. — Sim. É claro. Ele deve ter isso.
— Ah, mas se você quiser o meu conselho... — Vitellius olhou nervoso novamente. — Você deve guardar ambos os sangues de górgona. Se minhas fontes estiverem corretas, você vai precisar deles na sua busca.
— Busca?
As portas do arsenal abriram.
Reyna invadiu com seus galgos de metal. Vitellius desapareceu. Ele poderia ter gostado de galinhas, mas ele não gostava dos cães da pretora.
— Frank. — Reyna parecia perturbada. — Isso é o suficiente com a armadura. Vá encontrar Hazel. Traga Percy Jackson aqui em baixo. Ele esteve lá em cima por muito tempo. Eu não quero que Octavian... — Ela
hesitou. — Basta trazer Percy aqui embaixo. Então, Frank tinha corrido todo o caminho até o Templo da Colina. 
Caminhando de volta, Percy fez toneladas de perguntas sobre o irmão de Hazel, Nico, mas Frank não sabia muito.
— Ele é ok, — disse Frank. — Ele não é como Hazel...
— O que você quer dizer? — Percy perguntou.
— Oh, hum... — Frank tossiu. Ele queria dizer que Hazel era de melhor aparência e mais agradável, mas ele decidiu não dizer isso.
— Nico é uma espécie de mistério. Ele deixa todo mundo nervoso, sendo filho de Plutão, e tudo.
— Mas você não?
Frank deu de ombros. — Plutão é legal. Não é sua culpa que ele dirige o Submundo. Ele só teve má sorte quando os deuses estavam dividindo o mundo, sabe? Júpiter tem o céu, Netuno tem o mar, e Plutão tem
o eixo.
— A morte não te assusta?
Frank quase teve vontade de rir. Nem um pouco! Em vez disso, ele disse, — Volte aos velhos tempos, como os tempos gregos, quando Plutão era chamado de Hades, ele não era mais que um deus da morte. Quando ele se tornou romano, ele se tornou mais... eu não sei, respeitável. Ele se tornou o deus da riqueza, também. Tudo sob a terra pertence a ele. Então eu não penso nele como sendo realmente assustador.
Percy coçou a cabeça. — Como se torna um deus romano? Se ele era grego, ele não deveria se manter grego?
Frank caminhou alguns passos, pensando nisso. Vitellius teria dado a Percy uma palestra de uma hora sobre o assunto, provavelmente com uma apresentação do Power Point, mas Frank fez a sua melhor tentativa:
— A forma como os romanos viam isso, eles adotaram o material grego e aperfeiçoaram.
Percy fez uma cara azeda. — Aperfeiçoaram? Como se houvesse algo de errado com eles?
Frank se lembrou do que Vitellius tinha dito: Você tem raízes antigas. Gregas, assim como Romanas. Sua avó tinha dito algo semelhante.
— Não sei — ele admitiu. — Roma era mais bem sucedida do que a Grécia. Eles fizeram esse império imenso. Os deuses se tornaram um grande negócio nos tempos romanos, mais poderosos e amplamente conhecidos. É por isso que eles ainda estão por aí hoje. Então, muitas civilizações se baseiam em Roma. Os deuses se mudaram para romanos porque era onde o centro do poder estava. Júpiter era... bem, mais responsável como um deus romano do que ele foi quando ele era Zeus. Marte tornou-se muito mais
importante e disciplinado.
— E Juno se tornou uma senhora com bolsa hippie — Percy observou.
— Então você está dizendo que os antigos deuses gregos só mudaram permanentemente para romanos? Não sobrou nada dos gregos?
— Uh... — Frank olhou em volta para se certificar de que não haviam campistas ou Lares nas proximidades, mas os portões principais ainda estavam a cem metros de distância. — Esse é um tópico delicado. Algumas pessoas dizem que a influência grega ainda está ao redor, como se ainda fosse uma parte da personalidade dos deuses. Eu já ouvi histórias de semideuses, ocasionalmente, fora do Acampamento Júpiter. Eles rejeitam a formação romana e tentam seguir o estilo mais antigo, como o grego, sendo heróis individuais em vez de trabalhar como uma equipe, da forma como a legião faz. E de volta aos dias antigos, quando Roma caiu, a metade oriental do império sobreviveu – a metade grega. 
Percy olhou para ele. — Eu não sabia disso. 
— Era chamado Bizâncio. — Frank gostava de dizer essa palavra. Isso soava legal. — O Império Oriental durou mais mil anos, mas foi sempre mais grego do que romano. Para aqueles de nós que seguem o caminho
romano, é uma espécie de assunto delicado. É por isso que,
independentemente do país em que se estabeleça, o Acampamento Júpiter é sempre no oeste, a parte Romana do território. O leste é considerado má sorte.
— Huh. — Percy franziu o cenho.
Frank não podia culpá-lo por sentir-se confuso. O negócio grego/romano também lhe dava dor de cabeça.
Eles chegaram aos portões.
— Vou levá-lo para as casas de banho para você se limpar, — disse Frank. — Mas primeiro... sobre aqueles frascos que eu encontrei no rio.
— Sangue de Górgona — disse Percy. — Um frasco cura. O outro é veneno mortal.
Os olhos de Frank se arregalaram. — Você sabe sobre isso? Ouça, eu não ia ficar com eles. Eu só...
— Eu sei por que você fez isso, Frank.
— Você sabe?
— Sim. — Percy sorriu. — Se eu entrasse no Acampamento carregando um frasco de veneno, isso teria parecido ruim. Você estava tentando me proteger.
— Oh... certo. — Frank limpou o suor da palma das mãos. — Mas se pudéssemos descobrir qual é qual frasco, poderia curar a sua memória.
O sorriso de Percy desapareceu. Ele olhou através das colinas. — Talvez... eu acho. Mas você deve guardar os frascos agora. Há uma batalha vindo. Podemos precisar deles para salvar vidas.
Frank olhou para ele, um pouco espantado. Percy teve a chance de recuperar a sua memória, e ele estava disposto a esperar no caso de alguém mais precisar do frasco? Romanos deveriam ser generosos e ajudar os seus companheiros, mas Frank não tinha certeza de ninguém no acampamento que teria feito essa escolha.
— Então você não se lembra de nada? — Frank perguntou. — Família, amigos?
Percy dedilhou as contas de argila em volta de seu pescoço. — Só vislumbres. Coisas obscuras. Uma namorada... Eu pensei que ela estaria no acampamento. — Ele olhou para Frank com cuidado, como se tomasse uma decisão. — O nome dela era Annabeth. Você não a conhece, não é?
Frank balançou a cabeça. — Eu conheço todos no acampamento, mas não Annabeth. E a sua família? A sua mãe é mortal?
— Eu acho que sim... ela provavelmente está fora de si com preocupação. Sua mãe consegue te ver bastante?
Frank parou na entrada da casa de banho. Ele pegou algumas toalhas no galpão de abastecimento. — Ela morreu.
Percy franziu a testa. — Como?
Normalmente Frank mentiria. Ele diria um acidente e interromperia a conversa. Caso contrário, suas moções ficavam fora de controle. Ele não podia chorar no Acampamento Júpiter. Ele não podia mostrar fraqueza. Mas, com Percy, Frank achava mais fácil falar.
— Ela morreu na guerra — disse ele. — Afeganistão.
— Ela estava no exército?
— Canadense. Sim.
— Canadá? Eu não sabia.
— A maioria dos americanos não sabe. — Frank suspirou. — Mas sim, o Canadá tem tropas lá. Minha mãe era capitã. Ela foi uma das primeiras mulheres a morrer em combate. Ela salvou alguns soldados que foram derrubados por fogo inimigo. Ela... ela não fez isso. O funeral estava certo antes de eu vir para cá.
Percy assentiu. Ele não pediu mais detalhes, o que Frank apreciou.
Ele não disse que estava arrependido, ou fez qualquer um dos comentários bem-intencionados que Frank sempre odiou: Oh, pobre garoto. Deve ser tão difícil para você. Você tem as minhas mais profundas condolências.
Era como se Percy tivesse enfrentado a morte antes, como se ele soubesse sobre dor. O que importava era ouvir. Você não precisa dizer que está arrependido. A única coisa que ajudava era prosseguir – prosseguir em frente.
— Que tal você me mostrar as casas de banho agora? — Percy sugeriu. — Estou sujo.
Frank conseguiu dar um sorriso. — Sim. Você meio que está. Enquanto caminhavam para a sala de vapor, Frank pensou em sua avó, sua mãe e sua maldita infância, graças a Juno e seu pedaço de lenha. Ele quase desejou poder esquecer seu passado, da forma como Percy esqueceu. 



sábado, 25 de fevereiro de 2012

cap 8 de Ofilho de netuno

XIII Hazel
PELO MENOS A COMIDA DO ACAMPAMENTO ERA BOA.
Espíritos do vento invisíveis — aurae — serviram os campistas e pareciam saber exatamente o que cada um queria. Eles sopraram pratos e copos na mesa tão rapidamente que o refeitório parecia um furacão delicioso. Se você se levantasse muito rápido, provavelmente seria acertado por feijões ou uma carne assada.
Hazel jantou sopa de camarão — sua comida favorita quando queria consolo — o que a fazia se lembrar de quando era uma menina em Nova Orleans, antes de sua maldição ter começado e sua mãe ficar tão amarga.
Percy comeu um cheeseburguer e uma soda estranha azul brilhante. Hazel nunca tinha visto aquilo, mas Percy provou e sorriu.
— Isto me deixa feliz — ele disse. — Não sei o porquê... Mas me deixa.
Só por um segundo, uma das aurae se tornou visível — uma menina com cara de duende em um vestido de seda branco. Ela riu quando encheu o copo de Percy, então desapareceu numa rajada.
O refeitório parecia particularmente barulhento naquela noite. Risos ecoavam nas paredes. Bandeiras de guerra sussurravam das vigas de cedro do teto enquanto as aurae sopravam, mantendo os pratos de todo mundo
cheios. Os campistas comeram no estilo de Roma, sentados em divãs ao redor de mesas baixas. As crianças a  toda hora se levantavam e trocavam delugar, espalhando rumores sobre quem gostava de quem e todas as outras fofocas.
Como sempre, a Quinta Coorte sentava no lugar de menos honra.
Suas mesas eram no final do refeitório, próximo à cozinha. A mesa de Hazel era a que tinha menos pessoas. Naquela noite havia ela e Frank, como sempre, com Percy e Nico, e seu centurião, Dakota, que Hazel imaginava
que tinha sentado lá, porque ele se sentia obrigado a dar boas-vidas ao novo recruta.
Dakota se reclinava taciturno em seu divã, misturando açúcar em sua bebida. Ele era um cara musculoso com cabelo preto encaracolado e olhos que não pareciam olhar na direção certa, fazendo com que Hazel sentisse que o mundo se inclinava toda vez que olhava para ele. Não era um bom sinal ele estar bebendo tanto e tão cedo àquela hora da noite.
— Então — ele arrotou, balançando o seu cálice. — Bem vindo à Percy, festa — ele franziu as sobrancelhas. — Festa, Percy. Tanto faz.
— Hum, valeu — Percy disse, mas ele estava prestando atenção em Nico. — Eu estava me perguntando se a gente poderia conversar, sabe... Sobre onde eu poderia ter visto você antes.
— Claro — Nico disse um pouco rápido. — O negócio é que eu passo a maior parte do meu tempo no Mundo Inferior. Então, a não ser que eu tenha te visto por lá de alguma forma...
Dakota arrotou. — Embaixador de Plutão, eles o chamam. Reyna nunca tem certeza do que fazer com esse cara quando ele nos visita. Você deveria ter visto a cara dela quando ele apareceu com Hazel, pedindo a Reyna para aceitá-la. Hum, sem ofensas.
— Nenhuma — Nico parecia aliviado por terem mudado o assunto.
— Dakota ajudou muito, apoiando Hazel.
Dakota corou. — É, bem... Ela parecia uma boa menina. Acabou que eu estava certo. Mês passado, quando ela me salvou do, oh, você sabe.
— Caramba! — Frank procurou por seu peixe e suas batatinhas fritas. — Percy, você deveria tê-la visto! Foi como Hazel conseguiu sua faixa. Os unicórnios decidiram fugir...
— Não foi nada — Hazel disse.
— Nada? — Frank protestou. — Dakota teria sido pisoteado! Você ficou bem na frente deles, os espantou, salvou a pele dele. Eu nunca vi nada como aquilo.
Hazel mordeu o lábio. Ela não gostava de falar sobre aquilo, e se sentia desconfortável, o jeito com que Frank a fez parecer uma heroína. Na verdade, ela estava com medo que os unicórnios se machucassem naquele pânico. Seus chifres eram de metal precioso — ouro e prata — então ela tentou mantê-los à parte, simplesmente se concentrando, guiando os animais por seus chifres e os levando para os estábulos. Ela conseguiu um lugar integral na legião, mas também começaram os rumores sobre seus poderes estranhos — rumores que a faziam se lembrar dos dias antigos e maus.
Percy a estudou. Aqueles olhos verdes como o mar a fizeram ficar inquieta.
— Você e Nico cresceram juntos? — Ele perguntou.
— Não — Nico respondeu por ela. — Eu descobri que Hazel era minha irmã só agora. Ela é de Nova Orleans.
Aquilo era verdade, claro, mas não toda a verdade. Nico deixava as pessoas pensarem que ele tropeçou nela na Nova Orleans moderna e a trouxe para o acampamento. Era mais fácil do que contar a verdadeira história.
Hazel tinha tentado se passar por uma garota moderna. Não era fácil. Ainda bem que as crianças não usavam muita tecnologia no acampamento.
Seus poderes tendiam a fazer aparelhos eletrônicos ficarem loucos. Mas na primeira vez em que ela foi de licença para Berkeley, ela quase teve um infarto. Televisões, computadores, iPods, a internet... Tudo isso fez com que ela ficasse feliz em voltar ao mundo dos fantasmas, unicórnios e deuses.
Aquilo parecia muito menos fantasia do que o século XXI.
Nico ainda falava sobre os filhos de Plutão. — Não existem muitos de nós — ele disse, então a gente tem que se juntar. Quando eu encontrei Hazel...
— Você tem outras irmãs? — Percy perguntou, quase como se já soubesse a resposta. Hazel se perguntou novamente quando ele e Nico se encontraram, e o que seu irmão estava escondendo.
— Uma — Nico admitiu. — Mas ela morreu. Eu vi seu espírito algumas vezes no Mundo Inferior, exceto que da última vez que fui lá...
Para trazê-la de volta, Hazel pensou, embora Nico não tenha dito isso.
— Ela tinha se ido — a voz de Nico ficou rouca. — Ela costumava ficar nos Campos Elísios — tipo o paraíso do Mundo Inferior — mas ela escolheu nascer de novo numa nova vida. Agora, nunca mais a verei novamente. Eu estava apenas com sorte quando encontrei Hazel... em Nova Orleans, quero dizer.
Dakota grunhiu. — A não ser que você acredite nos rumores. Não dizendo que eu acredite.
— Rumores? — Percy perguntou.
No refeitório eles ouviram Don, o fauno, gritando: 
— Hazel!
Hazel nunca esteve tão feliz por ver o fauno. Ele não tinha ordens para poder estar no acampamento, mas, é claro, que sempre arranjava um jeito de entrar. Ele estava caminhando em direção à mesa, sorrindo para todo mundo, roubando comida dos pratos e apontando para os campistas: — Ei!
Me liga! Uma pizza voadora bateu na cabeça dele e ele desapareceu atrás de um divã. Então apareceu, ainda sorrindo, e caminhou novamente.
— Minha garota favorita! — Ele cheirava a bode molhado embrulhado em queijo velho. Ele se reclinou em seu divã e checou a comida.
— Diga, garoto novo, você vai comer isso?
Percy franziu as sobrancelhas. — Faunos não são vegetarianos?
— Não o cheeseburguer, cara! O prato! — Ele cheirou o cabelo de Percy. — Ei... que cheiro é esse?
— Don! — Hazel disse. — Não seja mal-educado.
— Não, cara, eu só...
O deus doméstico Vitellius apareceu bruxuleando, meio enterrado no divã de Frank. — Faunos no refeitório! A que ponto chegamos? Centurião Dakota, faça seu trabalho!
— Eu estou — Dakota rosnou dentro de seu cálice. — Estou jantando!
Don ainda estava farejando Percy. — Cara, você tem uma ligação empática com um fauno!
Percy escorregou para longe dele. — Uma o quê?
— Uma ligação empática! É bem fraca, como se alguém estivesse suprimindo a ligação, mas...
— Eu sei o que é! — Nico se levantou repentinamente. — Hazel, que tal a gente dar a você e a Frank um tempo para que Percy seja orientado?
Dakota e eu podemos visitar a mesa dos pretores. Don e Vitellius, vocês vêm também. A gente pode discutir estratégias para os jogos de guerra.
— Estratégias para perder? — Dakota murmurou.
— O Garoto da Morte está certo! — Vitellius disse. — Essa legião luta pior do que lutamos na Judéia, e aquela foi a primeira vez que perdemos nossa águia. Por que, se eu ainda estivesse no comando...
— Posso só comer a prataria primeiro? — Don perguntou.
— Vamos! — Nico se levantou e puxou as orelhas de Don e Vitellius.
Ninguém a não ser Nico podia realmente tocar os Lares. Vitellius reclamou com ultraje enquanto ele era levado para a mesa dos pretores.
— Ai! — Don protestou. — Cara, cuidado aí!
— Vamos, Dakota! — Nico chamou sobre seu ombro.
O centurião se levantou relutante. Ele limpou a boca — inutilmente, já que continuava manchada de vermelho.
— Voltaremos logo.
Ele se sacudiu todo, como um cachorro tentando ficar seco. Então cambaleou, derramando seu cálice.
— O que foi? — Percy perguntou. — E o que há de errado com Dakota?
Frank suspirou. — Ele está bem. Ele é um filho de Baco, o deus do vinho. Ele tem um problema com a bebida.
Percy esbugalhou os olhos. — Vocês o deixam beber vinho?
— Meus deuses, não! — Hazel disse. — Isso seria um desastre. Ele é viciado em Kool-Aid24 vermelho. Bebe com três vezes mais açúcar, e ele ainda é um TDAH — sabe, déficit de atenção/hiperatividade. Um dia desses,
sua cabeça vai explodir.
Percy olhou para a mesa dos pretores. As maiorias dos comandantes sêniores estavam conversando com Reyna. Nico e seus dois prisioneiros, Don e Vitellius, ficaram mais afastados. Dakota estava correndo de um lado para o outro ao longo de uma pilha de escudos, batendo neles com seu cálice como se tocasse um xilofone.
— TDAH — disse Percy. — Não me diga.
Hazel tentou não rir. — Bem, as maiorias dos semideuses têm. Ou dislexia. Só de ser um semideus significa que nossos cérebros têm os fios plugados diferentes. Como você — você disse que tinha problema com
leitura.
— Vocês são assim também? —Percy perguntou.
— Não sei — Hazel admitiu, — Talvez. No meu tempo eles chamavam crianças assim de preguiçosas.
Percy franziu as sobrancelhas. — No seu tempo?
Hazel se xingou.
Por sorte, Frank falou:
— Eu queria ter TDAH ou dislexia. Tudo que tenho é intolerância à lactose.
Percy sorriu. — Sério?
Frank deveria ser o semideus mais idiota de todos, mas Hazel achava bonitinho quando ele fazia beiço. Ele deixou os ombros caírem. — E eu amo sorvete também...
Percy riu. Hazel não pode deixar de fazer o mesmo. Era bom se sentar para comer e realmente sentir que estava entre amigos.
— Ok, então me diga —Percy disse, — por que é ruim ficar na Quinta Coorte? Vocês são legais.
O elogio fez os dedos de Hazel formigar. — É... complicado. Além de ser filha de Plutão, eu quero cavalgar.
— Então é por isso que você usa a espada de cavalaria?
Ela balançou a cabeça. — É idiotice, eu acho. Pensamento sonhador. Só tem um pégaso no campo — de Reyna. Os unicórnios são mantidos porque as raspas de seus chifres curam envenenamento e tal. De qualquer forma, as guerras romanas são sempre feitas a pé. Cavalaria... eles meio que não gostam disso. Então eles não gostam de mim.
— São eles quem perdem — Percy disse. — E você, Frank?
— Arco e flecha — ele murmurou. — Eles não gostam disso também, a não ser que você seja filho de Apolo. Então você tem uma desculpa. Espero que meu pai seja Apolo, mas não sei. Não sei fazer poesia muito bem. E não tenho certeza se quero ser parente de Octavian.
— Não posso te culpar — disse Percy. — Mas você é muito bom com o arco — o jeito em que você acertou aquelas górgonas. Esqueça o que os outros falam.
O rosto de Frank ficou vermelho como o Kool-Aid de Dakota. — Queria que pudesse. Todos acham que eu deveria ser um espadachim, porque eu sou grande e corpulento — ele olhou para seu corpo como se não
pudesse acreditar que ele era aquilo. — Eles dizem que eu sou muito gordo para um arqueiro. Talvez se meu pai me reclamasse...
Eles comeram em silêncio por alguns minutos. Um pai que não o reclamaria... Hazel já tinha sentido aquilo. Ela podia dizer o mesmo de Percy.
— Você perguntou sobre a Quinta — ela disse finalmente. — Porque é a pior Coorte. Isso começou antes mesmo de nós chegarmos.
Ela apontou para a parede do fundo, onde os estandartes da legião estavam à mostra. — Vê o mastro vazio no meio?— A águia — disse Percy. Hazel estava atordoada. — Como você sabe?
Percy encolheu os ombros. — Vitellius estava falando sobre como a legião perdeu sua águia há muito tempo atrás — na primeira vez, ele disse. Ele agiu como se fosse a maior desgraça. Suponho que é isso que está
faltando. E o jeito que você e Reyna estavam falando mais cedo, suponho que a águia foi perdida pela segunda vez, mais recentemente, e que tem alguma coisa a ver com a Quinta Coorte.
Hazel anotou mentalmente para não subestimar Percy de novo.
Quando ele chegou, ela pensou que ele fosse meio idiota por causa de suas perguntas — sobre a Festa da Fortuna e tudo o mais — mas claramente ele era mais esperto do que deixava perceber.
— Certo — ela disse. — Foi exatamente isso que aconteceu.
— Mas o que é a águia, afinal? Por que é tão importante?
Frank olhou ao redor para ter certeza que ninguém estava espiando.
— É o símbolo do acampamento — uma grande águia de ouro. Supostamente é para nos proteger na batalha e amedrontar nossos inimigos. A águia de cada legião dá todos os tipos de poderes, e os nossos vêm do
próprio Júpiter. Dizem que Júlio César apelidou nossa legião de “Fulminata”— armada com raios — por causa do que a águia pode fazer.
— Eu não gosto de raios — disse Percy.
— É, bem —Hazel disse, — não nos deixa invencíveis. A Duodécima perdeu sua águia pela primeira vez nos dias antigos, durante a Rebelião Judia.
— Acho que vi um filme assim — disse Percy.
Hazel encolheu os ombros. — Poderia ser. Existem vários livros e filmes sobre legiões que perdem sua águia. Infelizmente isso aconteceu algumas vezes. A águia era tão importante... bem, arqueólogos nunca descobriram uma águia da Roma Antiga. Cada legião guardava a sua para o último homem, porque é carregada de poder dos deuses. Eles preferem escondê-la ou derretê-la do que entregar a um inimigo. A Duodécima teve sorte da primeira vez. Nós conseguimos a águia de volta. Mas da segunda vez...
— Vocês estavam lá? —Percy perguntou.
Os dois balançaram a cabeça.
— Eu sou quase tão novo quanto você — Frank tocou em sua placa de probatio. — Só cheguei no mês passado. Mas todo mundo já ouviu a história. Dá azar até mesmo falar sobre isso. Houve essa expedição enorme para o Alasca na década de oitenta...
— Aquela profecia que você reparou no templo —Hazel continuou, — aquela sobre os sete semideuses e as Portas da Morte... Nosso pretor sênior naquele tempo era Michael Varus, da Quinta Coorte. Naquela época a
Quinta Coorte era a melhor do acampamento. Ele achou que traria glória à legião se ele descobrisse a profecia e a fizesse acontecer — salvar o mundo da tempestade e do fogo e tudo aquilo. Ele falou com o Áugure, e o Áugure disse que a resposta estava no Alasca. Mas ele avisou a Michael que ainda não tinha chegado o tempo. A profecia não era para ele.
— Mas ele foi de qualquer forma — Percy adivinhou. — O que aconteceu?
Frank abaixou a voz. — História longa e repulsiva. Quase todo mundo da Quinta Coorte foi varrido do mapa. A maioria das armas de ouro Imperial da legião foi perdida, e também a águia. Os sobreviventes ficaram loucos ou se recusaram a falar sobre o que os havia atacado.
Eu sei, Hazel pensou, solenemente. Mas ficou quieta.
— Desde que a águia foi perdida — Frank continuou, — o acampamento tem ficado cada vez mais fraco. As missões são mais perigosas. Os monstros atacam nas fronteiras mais frequentemente. O ânimo das tropas está cada vez mais baixo. No mês passado, as coisas ficaram muito piores, muito mais rápido.
— E a Quinta Coorte levou a culpa — Percy adivinhou. — Agora todo mundo pensa que nós somos amaldiçoados.
Hazel percebeu que sua sopa estava fria. Ela bebericou a colher cheia, mas a comida de consolo não estava muito reconfortante. — Nós temos sido rejeitados pela legião desde então... Bem, desde o desastre no
Alasca. Nossa reputação melhorou quando Jason se tornou pretor...
— O campista que está perdido? —Percy perguntou.
— É — disse Frank. — Eu nunca o conheci. Foi antes de eu chegar. Mas eu ouvi que ele foi um bom líder. Ele praticamente cresceu na Quinta Coorte. Ele não ligava sobre o que as pessoas falavam de nós. Ele começou a
reconstruir nossa reputação. Aí desapareceu.
— O que nos colocou de volta à fase um — Hazel disse
amargamente. — Nos fez parecer amaldiçoados de novo. Sinto muito, Percy. Agora você sabe no que se meteu.
Percy bebericou seu refrigerante azul e observou todo o refeitório.
— Eu nem sei de onde eu vim... mas eu acho que essa não foi a primeira vez em que fui excluído — ele focou os olhos em Hazel e sorriu. — Além do mais, se juntar à legião é melhor do que ser caçado na selva por monstros.
Eu fiz alguns amigos. Talvez, juntos, nós possamos mudar as coisas para a Quinta Coorte, né?
Uma corneta soprou no fim do salão. Os comandantes na mesa dos pretores se levantaram — até mesmo Dakota, sua boca manchada como a de um vampiro pelo Kool-Aid.
— Os jogos começam! —Reyna anunciou. Os campistas gritaram e correram para coletar seus equipamentos nas estantes das paredes.
— Nós somos o time de ataque, não é? —Percy perguntou apesar do barulho. — Isso é bom?
Hazel encolheu os ombros. — Boa notícia: nós ficamos com o elefante. Má notícia...
— Nós sempre perdemos — disse Percy Frank deu um tapa no ombro de Percy. — Eu amo esse cara. Vamos
presenciar minha décima terceira derrota consecutiva!